TIMBÓ – Aos 65 anos, Erna Negherbon lembra de ver o pai ajoelhado plantando fumo na sua casa, que fica no Morro Araponguinhas. “Ele tinha muita dor nas costas, eu rezava para Deus tirar a dor dele e colocar em mim”, diz.
Foi na roça que ela e os nove irmãos cresceram. Uma das irmãs, Marlene, 62 anos, conta que foi preciso sair da escola porque a família precisava que todos trabalhassem. “Ninguém aqui conseguiu estudar”, lamenta.
Uma casa de madeira construída há mais de 50 anos pela própria família próximo a uma nascente ainda está de pé e hoje é pintada de azul.
O local conserva o forno de barro que era usado para fazer cuca e pão para venda, o que rendia um dinheiro a mais.
Na frente da casa há uma figueira majestosa plantada pelos Negherbon, a primeira família a se instalar no Morro Araponguinhas, área que hoje é considerada de risco pela Defesa Civil e pela prefeitura de Timbó, que afirmam que a ocupação é irregular e que as casas devem ser demolidas.
Famílias no Morro do Araponguinhas
Ao todo, 17 famílias receberam ordem de desocupação. Cinco delas possuem laudos assinados por geólogos que descartam risco de deslizamentos na região como alegam as autoridades.
“São quatro gerações vivendo aqui, nunca houve um incidente. Se fosse tão perigoso, seríamos os primeiros a sair, não colocaríamos nossos filhos e netos em risco”, afirma Marlene.
As irmãs afirmam que com o dinheiro do trabalho, o pai comprou cinco terrenos na região, que foram divididos entre os filhos.
Há sete anos corre o processo de inventário, para desmembrar a área e garantir a parte de cada um. Mas há pelo menos três anos, as vistorias da Defesa Civil se intensificaram. E as multas também. Uma delas no valor de R$3 milhões.
Outra irmã, Selma, de 68 anos, se emociona ao dizer que “o pouco que a gente ganha vai para pagar os advogados. Essa terra é tudo o que temos, é o fruto do trabalho da vida de nós todos”.
Com a saúde abalada, Selma faz um apelo para que a situação seja resolvida e é incisiva ao dizer: “não vamos sair”. Marlene reforça as palavras da irmã: “meu pai dizia que só saía daqui em um caixão e foi o que aconteceu. Faço minhas as palavras dele”.
O morro Araponguinhas tem 470 metros de altitude. As casas da família ficam a 320 metros de altura. Lá de cima a vista é de tirar o fôlego.
O local já foi utilizado para a prática de parapente e existia um projeto de se construir um bondinho ali, mas não foi levado adiante.
O que diz a prefeitura
Procurada pelo Misturebas News, a prefeitura de Timbó informou, através de sua assessoria de imprensa, que existem diversos processos relacionados à ocupação e regularidade das edificações.
No que se refere ao risco, uma análise está sendo feita por peritos da Defesa Civil junto aos autos da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público. “A partir disso é que poderá se concluir sobre a possibilidade ou não de ocupação segura da área”, diz a nota.
A prefeitura também encaminhou um relatório feito pelo Serviço Geológico do Brasil e publicado pelo Governo Federal em 2011 que indica o local como área de risco.
O documento aponta “grande inclinação, presença marcante de blocos rochosos e drenagens extensas que podem conduzir volumes expressivos de água e detritos”.
O relatório sinaliza o Morro Araponguinhas como de “alto risco” para enxurradas e corridas de lama; deslizamentos de terra; rastejos (quando o solo se move lentamente provocando rachaduras e até demolição das casas) e rolamento de blocos. Ainda conforme o estudo, 391 pessoas estão em risco.
O estudo completo você encontra aqui.
A entrevista completa com as irmãs você pode conferir abaixo:
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