Dos 51 acusados, apenas 14 admitiram ter participado dos crimes.
Na última quinta-feira (5), no tribunal criminal de Avignon, no sul da França, Gisèle Pélicot, de 71 anos, prestou um depoimento comovente no quarto dia de um julgamento que abalou o país.
Ela é a principal vítima de uma série de estupros cometidos por 51 homens, incluindo seu próprio marido, Dominique Pélicot. O caso, que envolve crimes sexuais cometidos ao longo de quase uma década, deixou a sociedade francesa em choque.
Entre 2011 e 2020, Dominique, que foi casado com Gisèle por cerca de 50 anos, orquestrou uma rede de abusos. Ele usava um site de encontros para encontrar homens dispostos a estuprar sua esposa enquanto ela estava inconsciente.
Para garantir que Gisèle não despertasse, Dominique misturava medicamentos sedativos em sua comida, especialmente o ansiolítico lorazepam.
O crime só foi descoberto em 2020, quando Dominique foi preso após ser flagrado filmando sob as saias de clientes em um shopping center em Mazan, uma pequena cidade próxima a Carpentras, onde o casal vivia.
Durante as investigações, a polícia encontrou uma grande quantidade de material incriminador na casa do casal, incluindo milhares de fotos e vídeos que documentavam os crimes.
Nas imagens, Gisèle aparece inconsciente enquanto é violentada por diferentes homens. Em novembro de 2020, quando foi chamada à delegacia, Gisèle descobriu, estarrecida, que havia sido vítima de violência sexual por quase uma década, sem nunca ter tido conhecimento.
“Meu mundo desabou”, disse Gisèle em seu depoimento, descrevendo o momento em que a polícia lhe mostrou as imagens dos abusos. Até então, ela pensava que sua convocação à delegacia estava relacionada apenas às ações de seu marido no shopping.
Durante o depoimento, ela expressou choque ao ser questionada sobre sua vida sexual e práticas íntimas. “Apenas meu marido poderia me tocar”, afirmou, negando qualquer envolvimento em práticas sexuais consensuais com outras pessoas.
Quando a polícia lhe mostrou uma foto de um dos abusos, Gisèle inicialmente não reconheceu os envolvidos, mas logo percebeu a gravidade da situação ao ver outras imagens.
Gisèle descreveu as cenas como “bárbaras”, onde seu corpo era tratado como “uma boneca de pano”. Ela destacou que, apesar da violência, nunca contraiu doenças graves como HIV, mas foi diagnosticada com quatro infecções sexualmente transmissíveis.
O impacto emocional e psicológico dos crimes foi devastador. Em seu depoimento, Gisèle relatou o desespero que sentiu ao voltar para casa após descobrir os abusos, considerando até tirar a própria vida.
No entanto, o apoio de seus filhos, com quem se comunicou logo após a descoberta, foi crucial para que ela resistisse ao impulso.
A polícia aconselhou Gisèle a deixar sua casa imediatamente, temendo que os agressores pudessem retornar. Ela então se mudou para Paris, onde viveu com seus filhos por algum tempo, antes de decidir morar sozinha em um endereço confidencial a partir de setembro de 2021.
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Apesar das dificuldades, Gisèle tenta reconstruir sua vida. Ela descreveu como tem feito novos amigos e recebido apoio contínuo de sua família. No entanto, o trauma dos abusos ainda a assombra, especialmente após assistir aos vídeos encontrados pela polícia, que mostram os momentos em que foi violentada.
Dos 51 acusados, apenas 14 admitiram ter participado dos crimes, e três deles pediram desculpas a Gisèle. O julgamento, que deve se estender até 20 de dezembro, poderá resultar em penas de até 20 anos de prisão para os réus. Dominique Pélicot, que também será interrogado, está em processo de divórcio com Gisèle.
Gisèle pediu que o julgamento sirva como um alerta sobre o uso de medicamentos em crimes sexuais e optou por que o processo fosse realizado publicamente, contrariando pedidos do Ministério Público e parte da defesa para que ocorresse a portas fechadas.
Ela também solicitou o encerramento de vaquinhas virtuais em seu nome e pediu moderação nas redes sociais, ressaltando a importância de preservar sua dignidade em meio ao turbilhão de atenção pública.
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