Na avaliação do cientista político Eduardo Guerini, o governador e a vice se isolaram e não se abriram para o diálogo com as diversas faces da sociedade catarinense
A abertura do processo de impeachment contra o governador Carlos Moisés (PSL) e a vice Daniela Reinehr (sem partido) é apenas o início de um longo processo político e jurídico que deve se arrastar pelos próximos meses. O fato marca um novo capítulo no desgastado mandato da chapa vencedora das eleições de 2018 que se insurgiu como a “nova política”, surfou na onda bolsonarista e propôs trazer “verdadeiras mudanças” para o Estad
De lá para cá, diferentes fatos políticos, administrativos e jurídicos se somaram para resultar na abertura do processo de impeachment.
Na tentativa de ser a “nova política”, Moisés e Daniela acabaram optando por “não fazer política”. Na avaliação do cientista político Eduardo Guerini, o governador e a vice se isolaram, não se abriram para o diálogo com as diversas faces da sociedade, como os próprios deputados, entidades de classe, empresários e imprensa, o que resultou no acúmulo dos principais elementos para o início do processo.
Conforme prevê a legislação, para a abertura do processo é necessário um critério técnico para enquadrar o governador em crime de responsabilidade. Esse passo foi dado em janeiro deste ano pelo defensor público Ralf Zimmer que, depois de ter o pedido arquivado pela Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina) em fevereiro, entrou com recurso e novos documentos em maio, tendo o pedido aceito na quarta-feira (22).
Mas, o que move o processo de impeachment é a pressão política. Desde o início do mandato, Moisés tem sido duramente criticado por deputados de diversos partidos, nunca firmou uma base sólida de apoio, criou inimigos dentro do próprio PSL e tem na vice-governadora uma das suas principais críticas.
A crise do novo coronavírus, que tem sido um desafio político de gestão ao redor do mundo, em Santa Catarina ganhou contornos mais dramáticos diante da atuação do governo estadual. A polêmica compra dos 200 respiradores com a Veigamed foi crucial para elevar a tensão política nos últimos meses, com a criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Alesc e a queda dos principais secretários do governo do Estado.
O caso dos respiradores, que tomou corpo com a Operação Oxigênio, deflagrada pela força-tarefa do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), TCE/SC (Tribunal de Contas do Estado) e Polícia Civil, atingiu Moisés em 22 de junho, quando saiu da Justiça catarinense e foi remetido para o STJ (Superior Tribunal de Justiça) diante de uma possível participação do governador Carlos Moisés.
O argumento técnico
Salário dos procuradores: o governo de Santa Catarina concedeu aumento salarial para os procuradores do Estado incluídos na folha de pagamentos desde outubro de 2019. A chamada verba de equivalência equipara o salário dos procuradores do Estado com os da Alesc, em média de R$ 35 mil mensais. O ato administrativo foi baseado em uma decisão de dezembro de 2019 do TJSC, mas desde outubro o governo já tinha iniciado os reajustes, conforme revelou o ND em janeiro;
O pedido de impeachment: em 9 de janeiro, o defensor público Ralf Zimmer Júnior entrou com pedido de impeachment por suposto crime de responsabilidade por conta do aumento salarial dos procuradores. O pedido pede o impeachment de Moisés, Daniela, do secretário da Administração Jorge Tasca e da ex-procuradora-geral do Estado, Célia Iraci. O requerimento de Ralf chegou a ser arquivado em fevereiro pela Alesc após a procuradoria não reconhecer o pedido. Mas um recurso foi pedido por Ralf em maio, com a inclusão de novos documentos. A partir disso, a procuradoria aceitou o pedido, assim como o presidente da Alesc, Julio Garcia (PSD), na última quarta-feira (22);
Decisão do TCE: em 11 de maio, em decisão unânime, o pleno do TCE suspendeu, de forma cautelar, o aumento aos procuradores do Estado. O entendimento foi de que a verba de equivalência foi concedida com base em uma isonomia inexistente entre os procuradores do Estado e os da Alesc.
A falta de articulação
Sem diálogo: de políticos a entidades de diversos setores, de prefeitos aos poderes catarinenses, de integrantes do próprio governo à imprensa, a falta de diálogo do governador foi uma crítica constante desde que assumiu o governo;
Falta de apoio na Alesc: com 19 meses de mandato, Moisés ainda não construiu uma base efetiva de aliados na Alesc. Pelo contrário, perdeu o apoio que tinha dos deputados de seu próprio partido, o PSL. A liderança do governo na Alesc passou das mãos de um aliado partidário, Coronel Mocellin (PSL), a um ex-aliado que virou oposição, Maurício Eskudlark (PL), e está agora nas mãos da deputada Ana Paula Silva (PDT), em uma até então improvável aliança entre PSL e PDT. O desgaste político na Alesc se agravou nos últimos meses com a CPI dos Respiradores;
Oposição interna: após falas de Moisés que mostraram discordâncias com o presidente Jair Bolsonaro e decisões como a de taxar agrotóxicos em Santa Catarina, ele foi acusado pelos pesselistas de se afastar da postura conservadora defendida pelo presidente. Com o crescente racha do PSL catarinense, a vice Daniela afastou-se cada vez mais. O ápice foi em 24 de junho, quando Daniela publicou uma carta pública rompendo com Moisés e criticando a mudança de postura e de alinhamento dele, sem ter explicado o que o levou a se afastar de Bolsonaro;
Críticas dos prefeitos: não foram poucas as críticas de prefeitos de diferentes cidades e partidos sobre a falta de atenção de Moisés às diferentes regiões do Estado. Restrito à Casa d’Agronômica, o governador pouco viajou para dedicar atenção aos municípios. A tensão se acentuou com a crise do coronavírus. Em reunião no dia 20 de julho na Alesc, os prefeitos reclamam da falta de diálogo com o governo e da falta de ajuda para equipar hospitais diante da crescente escalada do coronavírus no Estado.
O caso dos respiradores
Compra desastrosa: após a tentativa do governo de instalar um hospital de campanha em Itajaí parar na Justiça, outra compra desastrosa durante a pandemia causou instabilidade no governo estadual. A compra de 200 respiradores pulmonares com a empresa Veigamed ao custo de R$ 33 milhões, feita sem garantias, sem licitação e com possível fraude, foi revelada em 28 de abril e desencarrilhou uma série de danos ao governo estadual. Até hoje só 50 respiradores contratados em abril foram entregues e não servem para tratar pacientes de Covid-19;
Operação Oxigênio e STJ: as duas fases da operação desencadeada pelo MPSC, TCE/SC e Polícia Civil apontam para um esquema criminoso com objetivo de enriquecimento ilícito às custas dos cofres públicos. “Trata-se, possivelmente, do crime mais perverso cometido na história recente catarinense”, afirmaram os investigadores. Citado em conversas e em depoimentos, Moisés foi nominalmente envolvido no caso, motivo que levou o caso ser remetido para o STJ;
CPI dos Respiradores: a comissão formada pelos deputados para apurar o possível esquema da compra dos respiradores ouviu as principais peças envolvidas no caso e contribuiu para a deterioração da imagem do governo nos últimos meses. Os deputados integrantes da comissão apontaram contradições nas respostas enviadas por Moisés no dia 17 de de julho sobre 15 perguntas formuladas pela CPI;
Queda de secretários: como resultado do desgaste político após a compra dos respiradores, Moisés perdeu quatro secretários do alto escalão: Helton Zeferino (Saúde), Douglas Borba (Casa Civil), Amandio João da Silva (Casa Civil) e Luiz Felipe Ferreira (Controlador-Geral). Outro braço-direito de Moisés, Lucas Esmeraldino, que foi o responsável pela construção do PSL no Estado, deixou o cargo de secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável e foi para Brasília, na Secretaria Executiva de Articulação Nacional, após ter seu nome envolvido em polêmicas indicações dentro do governo.
Fonte: ndmais
Sugestão de pauta