Uma pedra de cerca de 40 toneladas já rolou do morro que fica nos fundos da casa da família e, por pouco, não atingiu o local.
Já imaginou se, de um dia para o outro, a rotina da sua família mudasse totalmente? Se o lugar de paz que você escolheu para morar estivesse ameaçado e se os bens que você conquistou durante toda a vida corressem o risco de destruição?
Essa é a realidade da família Herrmann, moradora do Sítio Onça Pintada, no bairro Arraial do Ouro. Desde a última sexta-feira, dia 18 de outubro, o dia a dia de Vilmar Herrmann, de 63 anos; e sua esposa Izi Wolff Herrmann, de 60; está de cabeça para baixo. Isso porque uma pedra de cerca de 40 toneladas rolou do morro que fica nos fundos da casa da família e, por pouco, não atingiu o local. E mais: uma outra pedra, avaliada em aproximadamente 500 toneladas, pode cair a qualquer momento. Segundo avaliação técnica, ela pode atingir uma das cinco casas localizadas abaixo do morro, uma das lagoas, os animais, carros ou qualquer outro espaço que esteja à sua frente.
A sensação de insegurança que invade o peito da família Herrmann e também de seus vizinhos é sentida com mais intensidade há poucos dias, quando a primeira pedra caiu. Porém, a realidade começou a ser formada há mais de um mês, quando um vizinho iniciou a abertura irregular de uma rua em meio à mata virgem.
Rua de um quilômetro em meio à mata virgem
O Sítio Onça Pintada está localizado a cerca de um quilômetro após do Eco Hotel Arraial do Ouro. Situado em um terreno familiar, sua frente é composta por três residências, lagoas e um grande espaço de lazer. Já os fundos é repleto de palmeiras e árvores de várias espécies que, juntas, formam uma grande área de mata nativa em cima de um morro íngreme. Parte desde espaço pertence à família Herrmann. O restante é de propriedade do vizinho, identificado como Vicente Pereira, que reside na cidade de Navegantes.
Conforme conta Sigmar Herrmann, filho de Vilmar e Izi, um trator de esteira foi visto pela primeira vez realizando a abertura de uma rua irregular no morro há cerca de um mês. “Na primeira vez que eu vi já liguei para o Meio Ambiente. Mas não fizeram nada. Liguei para a Defesa Civil também. O que me falavam é que a ocorrência estava registrada e que viriam, mas só apareceram agora que a situação é de risco. Se tivessem vindo antes, isso tudo poderia ter sido evitado”.
A rua aberta foi ligada a uma antiga, já existente no local. A parte nova corresponde a uma extensão de cerca de um quilômetro mata à dentro e foi construída de forma irregular. Durante sua construção, a máquina trabalhou aos sábados e domingos e passou ao lado de pedras enormes existentes no local há anos. A base que dava sustentação às pedras foi comprometida e, agora, elas ameaçam rolar.
A reportagem do Cruzeiro do Vale esteve no local na tarde de segunda-feira, dia 20 de outubro. Após uma caminhada de aproximadamente 40 minutos, foi possível chegar até a pedra de 500 toneladas e comprovar a versão da família. A estrada aberta ilegalmente segue por mais um longo trecho após a pedra gigante. Em todo o seu caminho, é possível encontrar pedras menores, dos mais diversos tamanhos e formatos.
“Foi a mão de Deus que fez a pedra parar entre as árvores”
Devido ao risco de desabamento das pedras (principalmente da grande, de 500 toneladas), Vilmar e a esposa Izi foram notificados e proibidos de ficar em sua casa. “Durante o dia ficamos em casa, em silêncio, para poder ouvir qualquer som que venha da mata. Não ligo nem a televisão para não dar muito barulho. À noite, vamos dormir na casa do Sigmar”, conta Izi.
A casa de Sigmar foi construída no mesmo terreno que a dos pais. Porém, a probabilidade de que a pedra atinja ela em uma possível queda é menor. “Essa situação está insustentável. Pediram pra gente sair de casa, mas não fazem nada. Não dão qualquer apoio”, lamenta.
O medo de ser surpreendida pela pedra gigante toma Izi com a mesma intensidade de quando presenciou a tragédia de 2008 em Gaspar. “A sensação é igual. É terrível. Quando caiu a pedra pequena [no dia 18 de outubro], o barulho foi ensurdecedor. Era entre 14h30 e 15h. Eu estava sozinha em casa. Só consegui pensar em correr. Mas graças a Deus ela não atingiu a casa. Foi a mão de Deus que fez a pedra parar entre as árvores”, diz Izi, contando que a pedra de 40 toneladas parou cerca de 30 a 40 metros de sua residência.
“Compare uma quilica e uma bola de futebol. Essa é a diferença entre a pedra que caiu e a que está lá ainda. Queremos que as autoridades façam alguma coisa. A Defesa Civil disse que o município não tem recursos próprios para fazer algo em relação à pedra e que vai pedir ajuda ao Estado. Mas não podemos esperar. Não podem simplesmente pedir para a gente sair de casa. Precisamos de uma ação concreta”, diz Vilmar.
Entre os principais pontos levantados pelo senhor está a falta de fiscalização do poder público. “A estrada foi aberta ilegalmente e estamos há mais de um mês denunciando. Não precisávamos estar passando por isso”.
Polícia Ambiental multou dono do terreno
A Polícia Militar Ambiental de Blumenau foi acionada e esteve no bairro Arraial no dia 15 de outubro. De acordo com informações do segundo sargento Clau Machado, a equipe chegou ao local e se deparou com uma situação de desmatamento, onde uma rua foi aberta em meio à mata virgem e causou a queda de pedras. “Fomos acionados na terça passada e na quinta localizamos o dono do terreno [Vicente Pereira]. Ele foi notificado e compareceu na Polícia Ambiental hoje [dia 22 de outubro]. Ele foi autuado por dano ambiental e condenado a pagar uma multa no valor de R$.7.500,00 por destruir a vegetação nativa sem as formalidades necessárias. Se ele se comprometer a reparar o dano cometido, esse valor pode sofrer uma redução de até 90%”, explica.
Quanto à situação das pedras, o sargento afirma que o caso foi repassado para a Defesa Civil de Gaspar, que assume tudo o que diz respeito aos riscos e danos que elas podem causar à população. “O dono do térreo se mostrou ciente do erro que cometeu e já está em contato com a Defesa Civil para reverter a situação e evitar maiores problemas para a população”.
Defesa Civil analisa melhor saída
De acordo com o superintendente da Defesa Civil de Gaspar, Evandro de Mello Amaral, a situação do bairro Arraial chegou à Defesa Civil dia 20 de setembro, através de uma mensagem em seu WhatsApp pessoal. “Fui informado que estava acontecendo o desmatamento de um terreno e que o cidadão estava preocupado com a questão ambiental. Como não estava instalado nenhum risco, era apenas um desmatamento e abertura de via de forma ilegal, encaminhei para o Meio Ambiente. Essa situação aconteceu porque houve a abertura de uma estrada morro à cima, sem licença. Segundo testemunhas, o proprietário realizou a abertura da rua nos finais de semana, no estilo de obras clandestinas que infelizmente ainda acontecem”.
Com a chuva dos últimos dias, segundo Evandro, a Defesa Civil foi informada na sexta-feira, dia 18, sobre o rolamento de uma pedra em direção às casas, o que fez com que as famílias fossem notificadas a saírem de suas casas. “Eu não estava em Gaspar, mas nossa equipe foi até o local na sexta, fez a avaliação e orientou as famílias sobre a possibilidade do deslizamento de uma rocha maior. Eles foram notificados para que permanecessem fora de suas residências principalmente à noite”.
Na segunda-feira, dia 21, três dias após a queda da rocha de 40 toneladas, o superintendente da Defesa Civil de Gaspar esteve no local acompanhado do geólogo e engenheiro da pasta. “Avaliamos com mais detalhes o local e o risco. A abertura da via realmente descalçou as pedras menores e, inclusive, uma rolou. O grande problema é uma pedra de tamanho considerável que existe no topo do morro e pesa cerca de 500 toneladas. A rua deixou exposta a base dessa pedra. E essa exposição, somada ao volume de chuva, facilita e potencializa a queda. Aí, sim, teremos um problema muito sério”.
Obra não possui autorização ambiental
A confirmação de que a obra não possui autorização ambiental junto aos órgãos competentes foi confirmada pelo superintendente do Meio Ambienta de Gaspar, o engenheiro florestal Raphael Gasperi. Ele esteve no local nesta segunda-feira, dia 21 de outubro, junto da equipe da Defesa Civil, e afirma que o caso segue à cargo da Polícia Ambiental. “Não conseguimos contato com o proprietário do terreno ainda. Porém, ressalto que, como a Polícia Ambiental iniciou a ocorrência, todas as providências vão ocorrer à cargo deles, inclusive o contato com o proprietário”.
O que fazer com a pedra?
Algumas possibilidades em relação à pedra são levantadas pela Defesa Civil. Existe a possibilidade de implosão, de estabilização e também de quebra-la pouco a pouco. As alternativas, segundo o superintendente da pasta, estão sendo analisadas. “Estamos elaborando um relatório de orientações para que a família tenha documentação para acionar judicialmente a pessoa que fez essa intervenção de forma irregular, porque a responsabilidade é do dono do terreno. Ele que terá que tomar as providências para que ela seja detonada ou estabilizada. A forma com que será feita ainda não sabemos, porque não chegamos a um veredito. Vamos reunir mais profissionais para, em conjunto, tomar uma decisão do que será feito”.
Fonte: Cruzeiro do Vale
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