Os motivos que levam ao atraso das obras são diversos e todos eles têm uma origem: gestão.
Elas são apontadas como obras fundamentais para a mobilidade, economia e segurança, mas parecem longe de receber a atenção devida. Segundo recente levantamento da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), nada menos que 98% das obras consideradas estratégicas no Estado estão com o prazo expirado ou com o andamento comprometido.
O conjunto compreende 76 obras dos modais rodoviário, aeroviário, aquaviário, ferroviário, de prevenção a enchentes e de saneamento que são acompanhadas pelo sistema Monitora Fiesc, criado em 2014. Juntas, somam R$ 6,8 bilhões em investimento. Entre elas, 75 estão atrasadas. A única em dia é a de reforma, ampliação e modernização do Aeroporto de Navegantes, que teve início no mês de maio e tem previsão de término para dezembro do ano que vem.
De acordo com o gerente de assuntos de transporte, logística e sustentabilidade da Fiesc, Egídio Martorano, a amostra é significativa, porque inclui as obras que são mais importantes do ponto de vista econômico e social para Santa Catarina. Em relação ao percentual, ele considera que o dado é preocupante.
– Essas obras estratégicas paradas têm implicações sociais e econômicas difíceis de mensurar. Santa Catarina é um estado que tem um dos maiores índices de acidentes para cada 100 km, custo logístico elevado e um dos piores níveis de saneamento (esgoto) do país – comenta Egídio Martorano.
Apesar de considerar que o impacto dos atrasos seja difícil de medir, Egídio arrisca calcular, por exemplo, que apenas o atraso para a conclusão do contorno viário da Grande Florianópolis já tenha resultado em 15.263 acidentes e 228 mortes, com um custo social de R$ 21 milhões.
Por outro lado, o secretário de Estado da Infraestrutura e Mobilidade, Carlos Hassler, questiona que os dados do Monitora Fiesc possam ser utilizados para um panorama sobre o cenário de obras em Santa Catarina.
– Vale lembrar que os dados consideram apenas certas obras, aquelas que apresentam um interesse específico para associação. Ou seja, o dado de 98% é sobre um pequeno número de obras, e não sobre o total de obras públicas em andamento. Não reflete, portanto, a realidade – comenta Carlos Hassler.
O secretário de Infraestrutura e Mobilidade acrescenta que o governo do Estado tem trabalhado em parceria com setores do governo federal envolvidos na gestão de recursos específicos para buscar a liberação de valores, e também ressalta que há esforços para dar celeridade às obras de responsabilidade do governo estadual.
– Estamos investindo em gestão e planejamento, além do estabelecimento de parcerias, seja com outras instituições públicas, como as prefeituras no Programa Recuperar (voltado à manutenção de rodovias), seja com entes privados por meio de parcerias ou concessões – afirma.
Atrasos são “realidade nacional”, diz superintendente do DNIT
Já o superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em Santa Catarina, Ronaldo Carioni Barbosa, não refuta os dados apresentados pela Fiesc, mas considera que o cenário de atrasos é parte da “realidade nacional”. Além disso, demonstra otimismo quanto à entrega das obras de infraestrutura nas rodovias federais catarinenses. Das 75 obras atrasadas, 17 são de responsabilidade do DNIT.
– A Fiesc está correta quando diz que as obras estão atrasadas, mas estamos com o horizonte de entregá-las até 2022, todas elas. É fora do prazo, sim, mas está dentro da realidade do país – comenta.
Para que a entrega das obras atenda a essa previsão, o superintendente do DNIT conta com a condição de que os recursos necessários sejam disponibilizados pelo governo, com a aposta na liberação de emendas parlamentares.
– Nossas obras no Estado inteiro estão em andamento, não tem nenhuma paralisada, mas sim com o ritmo lento, em função dos recursos. As empresas diminuem o ritmo para que possam trabalhar até o fim do ano sem interrupção – contrapõe Ronaldo Carioni Barbosa.
Obras na BRs 470 e 280 são urgentes para diminuir mortes, avalia PRF
Do ponto de vista da segurança, o inspetor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Adriano Fiamoncini destaca que a conclusão da duplicação da BR-470, que liga o Oeste catarinense ao litoral, e da BR-280, em Jaraguá do Sul, são urgentes para diminuir as estatísticas de mortes nas estradas em Santa Catarina – conforme a PRF, até 13 de outubro, 321 pessoas tinham morrido nas rodovias federais no Estado.
– A principal causa de óbito nessas rodovias é a colisão frontal, que é quando um veículo invade a contramão para geralmente tentar a ultrapassagem. Com a pista duplicada, esse tipo de acidente praticamente desaparece. É o que esperamos que vá acontecer quando a duplicação dessas rodovias ficar pronta: o número de mortes vai despencar – comenta Adriano Fiamoncini.
Quanto à mobilidade, Fiamoncini cita a obra do contorno viário na Grande Florianópolis como um exemplo de urgência para desafogar o trânsito e trazer mais conforto aos usuários.
O gerente de assuntos de transporte, logística e sustentabilidade da Fiesc, Egídio Martorano, cita também a importância da conclusão das obras para contenção de enchentes em Santa Catarina.
– Das 14 obras desse tipo, 13 estão com prazo expirado, o que é algo difícil de explicar, já que nós sabemos que o problema das cheias é algo constante no Estado. São atrasos que impactam não só na economia, mas na vida das pessoas – acrescenta o gerente de assuntos de transporte da Fiesc.
Má gestão motiva atraso de 127 obras
Os motivos que levam ao atraso das obras são diversos: falta de recursos financeiros, atraso para desapropriações, ausência de licenciamento ambiental, necessidade de novos projetos e estudos. Mas, para Egídio Martorano, todos eles têm uma origem: gestão.
– Mesmo quando o problema é financeiro, no fundo, ele está relacionado à má gestão. É preciso melhorar a gestão das obras, a começar pelo planejamento, que deve ser sistêmico, integrado e criterioso, e pelos projetos múltiplos, que tenham previsibilidade dos empreendimentos – aponta Egídio.
O problema da falta de gestão também foi evidenciado durante um estudo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) para descobrir os motivos do atraso de obras com orçamento acima de R$ 1,5 milhão em Santa Catarina, que identificou 65 delas paralisadas.
— Nosso objetivo inicial era levantar quantas obras que estavam paradas por demandas judiciais e, para nossa surpresa, esse número não passou de 1%. A maioria está paralisada por falta de planejamento e de gestão — comenta o coordenador de Obras e Serviços de Engenharia do TCE, Rogério Loch.
Somados, os levantamentos da Fiesc e do TCE totalizam 127 obras paralisadas por falta de planejamento e gestão em mais de 60 municípios catarinenses.
No começo do mês, os dois estudos serviram de base para audiência promovida pela Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), que deliberou sobre a criação de uma comissão para fiscalizar as obras paralisadas no Estado. A ideia é que ela envolva representantes da iniciativa privada, de órgãos fiscalizadores e do governo estadual, e analise o andamento das obras de quatro em quatro meses.
— Eu acho essa iniciativa ótima, já que é uma função do poder público fazer a fiscalização do andamento das obras. A gente tem feito um pouco desse trabalho porque a indústria está sofrendo, e acreditamos que uma atitude precisa ser tomada. Os atrasos têm implicações sociais e econômicas incalculáveis — destaca o gerente de assuntos de transporte, logística e sustentabilidade da Fiesc, Egídio Martorano.
Fonte: NSC | Por Guilherme Simon | Foto: Emerson Souza/DC
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