Pesquisadores brasileiros investigam junto com cientistas de outros seis países se um medicamento anti-retroviral injetável aplicado a cada dois meses funciona tão bem quanto a PrEP oral, em que pacientes devem tomar um comprimido diário para se proteger do HIV.
Tomar uma injeção de um medicamento anti-retroviral a cada dois meses é uma forma eficaz de impedir o contágio por HIV?
Pesquisadores brasileiros investigam esta possibilidade com cientistas de outros seis países e esperam ter uma resposta em até dois anos.
O estudo realizado pela HIV Prevention Trials Network, uma organização internacional cientifica com sede nos Estados Unidos, avalia se esse tipo de profilaxia pré-exposição (PrEP) funciona tão bem quanto o outro método disponível atualmente.
Na chamada PrEP oral, a pessoa toma um comprimido com drogas antirretrovirais. Se o tratamento for feito corretamente, sua eficácia para prevenir a transmissão do vírus causador da Aids pode chegar a 99%.
Então, porque seria necessária uma PrEP injetável se já existe outra versão com excelentes resultados?
“O paciente precisa ter organização para tomar um comprimido diário. Então, precisamos de alternativas para quem não consegue fazer uso crônico de uma medicação e está vulnerável ao HIV”, diz Beatriz Grinsztejn, chefe do laboratório de pesquisa clínica em DST e Aids do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (Fiocruz) e responsável pela direção global da pesquisa junto com o pesquisador Raphael Landovitz, da Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Adesão ao tratamento com PrEP oral cai com o tempo
A PrEP oral foi aprovada pela Food and Drugs Administration (FDA), a agência do governo americano equivalente à brasileira Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2012.
Desde o fim de 2017, é oferecida no Brasil gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para grupos considerados mais vulneráveis ao HIV, como homens gays e bissexuais, mulheres transexuais, profissionais do sexo e pessoas em um relacionamento com alguém que tenha o vírus.
Este método é considerado uma revolução no combate ao HIV por oferecer uma forma inédita de prevenção com um medicamento e não só com preservativos.
No entanto, pesquisas mostram que a taxa de adesão ao tratamento, ou seja, o índice de pessoas que o segue à risca, cai com o tempo, explica o infectologista Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID, na sigla em inglês), que é o principal patrocinador do estudo da PrEP injetável.
“Isso varia bastante, mas a taxa chega a cair pela metade, porque as pessoas se cansam de tomar um comprimido diariamente ou se esquecem. E, se não é tomado todo dia, não funciona”, afirma Fauci.
Grinsztejn diz que a baixa adesão é um problema especialmente entre os jovens, um grupo no qual o número de diagnósticos de HIV vem crescendo mais do que a média. Entre 2007 e 2018, houve um aumento de 220% entre brasileiros de 15 a 24 anos, de acordo com dados do governo federal, bem acima do aumento de 136% na população em geral.
No entanto, a cientista da Fiocruz afirma que isso não pode ser considerado preguiça ou desleixo dos jovens com uma doença que não tem cura.
“Você diria isso de um diabético? Tradicionalmente, adolescentes e adultos jovens têm mais dificuldade com um tratamento contínuo para diabetes. Não é uma particularidade do HIV, é uma questão da faixa etária. E, se o vírus avança entre estas pessoas, é importante buscar novas formas de prevenção.”
Como é feito o estudo da PrEP injetável
Enquanto a PrEP oral usa uma combinação de duas drogas – fumarato de tenofovir desoproxila e emtricitabina -, a versão injetável é feita a partir de outra substância, cabotegravir.
Ambos os medicamentos impedem a multiplicação do HIV ao se ligarem a enzimas essenciais ao processo de replicação do vírus, mas atuam em etapas diferentes do ciclo.
O comprimido deve ser tomado diariamente para garantir que seus princípios ativos estejam no corpo sempre em níveis adequados. Já o cabotegravir é injetado no músculo de uma das nádegas e fica depositado ali, sendo liberado gradualmente ao longo de dois meses, quando é preciso renovar a dose.
Iniciado no fim de 2016, o estudo HPTN 083 testará a PrEP injetável com 4,5 mil homens gays e bissexuais e mulheres trans, em 43 centros no Brasil, Estados Unidos, Argentina, Peru, África do Sul, Tailândia e Vietnã. Ao menos 500 brasileiros já participam – e o recrutamento de voluntários ainda está acontecendo.
Os pacientes são distribuídos por sorteio eletrônico entre dois grupos. O primeiro toma comprimidos placebo e a injeção de PrEP. O segundo toma comprimidos de PrEP e injeção placebo. Todos são aconselhados sobre sexo seguro e recebem preservativos ao longo da pesquisa.
“No fim, vamos comparar o número de infecções por HIV entre os dois grupos para entender se a PrEP injetável funciona tão bem quanto a oral”, explica Grinsztejn.
Homens gays e mulheres trans são mais vulneráveis ao HIV
O infectologista Rico Vasconcelos, coordenador médico do centro de pesquisa da PrEP injetável na Universidade de São Paulo (USP), explica que o Brasil foi escolhido para participar porque tem uma epidemia de HIV concentrada entre homens gays e bissexuais e mulheres trans, que são o público-alvo do estudo.
Pesquisas mostram que, enquanto 0,4% dos brasileiros vivem com o vírus na sociedade em geral, entre homens gays e bissexuais, são mais de 18% – na cidade de São Paulo, chega a quase 25%. Entre mulheres trans, pode passar de 40%.
Vasconcelos avalia que estas pessoas são hoje mais vulneráveis ao vírus porque, entre outros motivos, não houve por muito tempo políticas públicas de educação e saúde específicas para elas. Isso contribuiu para elevar o índice de pessoas com HIV nestes grupos e fez com que seja hoje mais provável que um homem gay ou bissexual e uma mulher trans entrem em contato com o vírus.
“O senso comum é de que a culpa é da vítima, que um homem gay ou bissexual e uma mulher trans pegam HIV porque querem, mas faz 38 anos que temos uma epidemia concentrada nestes grupos, e a primeira vez que o Ministério da Saúde fez algo específico para protegê-los foi há pouco mais de um ano, quando incluiu a PrEP no SUS, priorizando esses grupos”, diz o infectologista.
Vasconcelos afirma ser comum que um jovem gay, bissexual ou trans comece a transar sem ter recebido educação sexual ou sido informado sobre a epidemia de HIV nestes grupos.
Ao mesmo tempo, não podem muitas vezes falar abertamente sobre sua vida sexual com a família e amigos e, quando procuram um serviço de saúde, há chances de não serem bem acolhidos. “A homofobia e a transfobia também transmitem HIV”, diz o infectologista.
Cientistas investigam outras formas de prevenção
O estudo da PrEP injetável será concluído em 2021. Se os resultados forem positivos, a expectativa é que seja autorizado pelo FDA para ser usado por seu público-alvo até o ano seguinte, diz Fauci, da NIAID.
Outro estudo com mulheres heterossexuais e cisgênero (ou seja, que não são transexuais) está sendo feito na África. Vasconcelos diz que será preciso aguardar os resultados das pesquisas em curso e testes com outros grupos, como homens heterossexuais cisgênero, para que a PrEP injetável possa ser recomendada universalmente.
“Se o estudo mostrar que a PrEP injetável é um método de prevenção eficaz para o sexo anal, que é o tipo de exposição sexual de maior risco ao HIV, isso indica que provavelmente também será para o sexo vaginal, em que o risco é menor. Mas não se pode aprovar o uso de uma medicação para uma população específica sem que antes tenha sido testada por ela”, diz o infectologista da USP.
Além disso, há outras pesquisas sendo realizadas para outros métodos de prevenção ao vírus, como anéis intravaginais, implantes de medicamentos antirretrovirais e injeções de anticorpos.
Fauci explica que essas alternativas são importantes, porque o número de novos casos de HIV vem caindo lentamente na última década, com uma redução de 12% entre 2008 e 2018. Em comparação, entre 1998 e 2008, a queda foi de 24%.
“Hoje, há um tratamento capaz de fazer com que pessoas com HIV fiquem vivas e saudáveis, mas o avanço do vírus não está sob controle. Ainda temos 1,7 milhão de novos diagnósticos por ano. É um problema sério”, diz Fauci.
Vasconcelos argumenta que, quanto mais formas de prevenção existirem, mais fácil vai ser de combater a transmissão do vírus.
“A melhor forma de proteção é aquele que a pessoa escolhe, por entender como funciona e achar que é capaz de usá-la correta e constantemente. Se casais heterossexuais têm hoje várias maneiras diferentes de evitar terem filhos, por que acreditamos algum dia que, para o HIV, uma forma só de prevenção, a camisinha, seria suficiente?”
Fonte: Portal R7
Fotos: BBC NEWS BRASIL / Getty Images
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