Projeto conta com coordenação da Universidade Federal de Santa Catarina.
Um projeto que pretende utilizar dados atmosféricos, fluviais e oceânicos na costa sul do país para prever a possibilidade de inundações no litoral está unindo pesquisadores de três universidades federais da região e colaboradores na Espanha e nos Estados Unidos, com coordenação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O Projeto Refinamento Regional Oceânico e Atmosférico (ROAD-BESM) vai desenvolver ferramentas para entender como essas áreas reagem às mudanças climáticas por meio de simulações matemáticas, colaborando com a gestão e desenvolvimento de políticas públicas.
A pesquisa começou em 2017 e deve se estender até meados de 2022, com a expectativa de formar pesquisadores qualificados para atuarem nas áreas de meteorologia, hidrologia, oceanografia, matemática e geociências. O grupo também pretende ter impacto em projeções relacionadas à América do Sul, além de disponibilizar cenários climáticos futuros para todos os interessados.
Segundo o professor Antonio Fernando Härter Fetter Filho, do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia, há uma série de indicadores que podem resultar no aumento do nível das águas e, consequentemente, na inundação de áreas urbanizadas. Além das chuvas, que causam esse aumento naturalmente, o comportamento das marés e a elevação da temperatura no planeta são fatores a serem considerados. “É possível prevenir e antecipar cenários com esses indicadores, analisando o risco costeiro a partir de modelos para prever o ponto máximo das águas”, explica.
Um conjunto de dados de Itajaí, Florianópolis e da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, é o que vai abastecer um modelo matemático capaz de simular determinados cenários. “O projeto é ambicioso, pois tenta avaliar o risco de perda de habitats costeiros em função das mudanças climáticas”, contextualiza Fetter, um dos líderes do grupo, que conta também com a participação de cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Federal do Rio Grande (FURG). “Queremos perguntar até onde a água chega: ela pode chegar até as dunas, até as casas?”, questiona. Na UFSC, o projeto tem a coordenação geral do professor Antonio Klein.
No olhar macro, trata-se de desvendar como o oceano e a atmosfera estão se comportando frente às mudanças climáticas – por isso, os modelos utilizam também os dados disponibilizados pelos cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas. Esses modelos climáticos futuros funcionam como variáveis que, combinadas a dados como das marés astronômicas e meteorológicas e de formação de ondas, por exemplo, podem apontar cenários aos gestores públicos e outros interessados.
“Nós trabalhamos com modelos altamente qualificados que já foram certificados pela comunidade científica, o que nos permitirá fazer a previsão de tendência a exemplo do que é feito pelo IPCC”, explica o professor. Para isso, a equipe está envolvida em “construir cada pedacinho desse grande quebra-cabeça”.
Mais precisão para uma previsão mais efetiva
Uma das orientandas de mestrado do professor, Luana Borato, estudou e analisou cerca de 48 modelos para observar como eles faziam essa simulação e se seriam adequados à pesquisa. A análise foi desenvolvida tentando identificar como eles simulavam padrões atmosféricos históricos no Atlântico Sul.
Luana explica que, para isso, precisou olhar para o passado – ou seja, observar se os modelos forneciam dados compatíveis com o que de fato ocorreu. Entre esses 48 modelos estudados, chegou aos que são mais assertivos para análises relativas ao Atlântico Sul, já que o Atlântico Norte foi estudado por uma equipe do professor Fernando Mendez, do Departamento de Ciências e Técnicas da Água e do Meio Ambiente da Universidad de Cantabria, na Espanha.
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Ela conta que, para definir resultados, utilizou dados relativos aos 25 padrões atmosféricos identificados pela pesquisadora Paula Gomes em um trabalho de pós-doutorado. “Os nossos resultados apontaram quais eram os modelos com o melhor desempenho, ou seja, os que simulavam melhor os padrões atmosféricos históricos, o que estava mais próximo entre o que o modelo apontava com o que de fato aconteceu”, resume.
Agora, a ideia é trabalhar com esses mesmos 25 padrões atmosféricos pensando nos impactos que a variação na frequência de ocorrência de cada um deles pode ocasionar na costa. De acordo com Luana, alguns padrões ocorrem com maior e outros com menor frequência. Após associá-los a diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa, algo que se relaciona com o fenômeno das mudanças climáticas, Luana aponta que alguns padrões podem ter uma alteração na frequência de ocorrência de até três por cento para o futuro.
“Com certeza são mudanças que a gente vai poder sentir dentro dos próximos anos. No caso do nosso trabalho, a gente fez uma análise até 2100. Mesmo que os resultados não sejam conclusivos, são um ponto de partida para novas investigações. Por exemplo, a partir desses dados vamos poder falar mais da relação entre esses padrões atmosféricos, o clima de ondas na região de Florianópolis e suas projeções para o futuro”, comenta.
De acordo com Fetter, todos esses dados são relevantes para a percepção do risco costeiro. Desde a atmosfera, até o comportamento do vento e indicadores ainda mais específicos – como topografia gravitacional – podem assegurar um instrumento capaz de fornecer previsões com impacto positivo para o gerenciamento costeiro. As inundações, nesse caso, poderiam ser evitadas ou resultarem em um número menor de danos.
Testes com eventos extremos
Outro trabalho desenvolvido no projeto e recentemente publicado na revista Climate Research é assinado pelo pesquisador Danilo Couto de Souza, do Laboratório de Clima e Meteorologia da UFSC, e do professor Renato Ramos da Silva, do Departamento de Física. Ele analisou a destreza de um modelo – o Ocean-Land-Atmosphere Model (OLAM) – para a região costeira do Sul do país. A destreza, nesse caso, significa a confiabilidade dos dados fornecidos para que, posteriormente, possam ser utilizados para se chegar à cota de inundação.
“Para isso, eu realizei simulações de eventos extremos que afetaram a nossa região de interesse, partindo da premissa que, se o modelo consegue reproduzir resultados bons para os eventos extremos, que são mais difíceis de simular, a qualidade das simulações para situações ‘rotineiras’ estaria comprovada”, explica. Ele usou variáveis metereológicas – temperatura, ventos e pressão ao nível do mar – para conferir se o modelo se aproximava da realidade concretamente observada.
“Um resultado interessante foi que, para os dois eventos que consideramos mais importantes, as inundações do Vale do Itajaí, em 2008, e o Furacão Catarina, em 2004, o modelo apresentou os melhores resultados”, sintetiza, reforçando que este é um indicador de que o OLAM pode ser considerado confiável às metas do projeto.
Um dos desafios da pesquisa foi trabalhar a comparação dos resultados com o que era registrado nas estações meteorológicas, já que há uma escassez de estações na região sul. Ainda assim, para as variáveis de temperatura, ventos e pressão ao nível do mar, que são também importantes para os modelos oceânicos, os resultados tiveram uma correspondência satisfatória.
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Danilo lembra que o projeto foca nas condições atmosféricas do dia-a-dia, mas que, ao analisar os eventos extremos, “a confiança de que as condições ‘comuns’ são bem representadas, aumenta”. Além disso, o trabalho abre a possibilidade para novos estudos. “Esses dois eventos foram bem problemáticos no passado e são difíceis de prever sua intensidade. Por exemplo, não sei de nenhum modelo, até hoje, que conseguiu simular toda a chuva relacionada ao evento de 2008, no Vale do Itajaí. Ao mesmo tempo, desconheço estudos que conseguiram representar perfeitamente o valor da baixa pressão no centro do Furacão Catarina. Assim, ao mostrar resultados promissores para esses dois casos, o nosso trabalho ‘abre portas’ para estudos futuros”.
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