Vítimas foram levadas para abrigo improvisado no Centro Multiuso de Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí
Trabalhadores foram encontrados em situação semelhante à escravidão em uma propriedade rural de Ituporanga, no Alto Vale do Itajaí. Os 18 homens foram retirados do local e levados ao Centro Multiuso da cidade, onde receberão assistência até voltarem ao município de origem, em Marco, no Ceará. As condições em que estavam foram descobertas após um deles passar mal e o Samu ser acionado na quinta-feira (30).
Uma das vítimas, de 23 anos, relatou em boletim de ocorrência que foi procurada por um agenciador que estava em busca de mão de obra para plantio de cebola na localidade Bela Vista. Por WhatsApp, o negociante ofereceu salário de R$ 5 mil para cada contratado, roupas adequadas para o serviço, moradia, agasalho, refeições e passagens de ida e volta.
O homem então recrutou outros 17 jovens para ir com ele a Ituporanga. Após três dias de viagem em um ônibus clandestino, já que o transporte interestadual está proibido devido à pandemia do novo coronavírus, chegaram ao município na segunda-feira (27). Diferente do prometido, encontraram uma realidade totalmente insalubre.
O alojamento seria em um barraco sujo, cheio de buracos, sem colchões, sem água potável e com um banheiro extremamente precário. As roupas de inverno não foram entregues e, com isso, eles contaram que passaram muito frio. Ainda conforme o boletim de ocorrência, a todo instante era dito que se eles não trabalhassem, não poderiam voltar ao Ceará.
A janta só seria fornecida se os trabalhadores fossem para a lavoura e pagassem
A janta só seria fornecida se os trabalhadores fossem para a lavoura e pagassem pela refeição. Quando um dos integrantes, de 21 anos, passou mal por suspeita de Covid-19, os colegas chamaram o socorro. A equipe do Samu percebeu a situação e comunicou ao coordenador da base, Odair da Silva.
Situação degradante
Silva lembra que já na manhã de quinta-feira informou à Vigilância Sanitária e Polícia Militar, que foram ao alojamento. Antes de chegar, porém, encontraram parte dos cearenses caminhando em direção à área urbana do município. Eles abandonaram o casebre e percorreram alguns quilômetros para conseguir pedir ajuda.
— Nos deparamos com uma situação degradante, sem nenhuma condição de alguém morar lá dentro, algo fora da realidade — diz o socorrista.
O suposto empregador foi abordado pela Polícia Militar e fiscalização municipal. Ele negou ter contratado o grupo, apesar de diversas imagens e vídeos feitos pelas próprias vítimas comprovarem o contrário.
Histórias que se repetem
Nenhum deles possuía cadastro na Secretaria Municipal de Saúde ou registro profissional. A passagem pela Secretaria é obrigatória a todos que vem de outras cidades. O objetivo é examinar os viajantes para descartar suspeita de Covid-19, além de orientá-los quanto ao isolamento de 14 dias.
Depois da inspeção, os jovens foram levados à delegacia para prestarem queixa e ao Centro Multiuso. Conforme a assistente social da prefeitura, Antoniela Ferreira, roupas, colchões, cobertores e produtos de higiene foram doados pela gestão municipal para o acolhimento improvisado.
O prefeito de Marco/CE se prontificou a pagar as passagens de avião. Os bilhetes já foram comprados e os 18 homens serão levados a Florianópolis na manhã de segunda-feira (3). O que estava com suspeita de coronavírus continua sendo monitorado, mas passa bem.
— Infelizmente isso tem sido recorrente em épocas de plantio e colheita. Pessoas de fora acreditam nas promessas de trabalho e acabam vindo. Só neste ano é a segunda situação que flagramos. Na última, havia um menor de idade contratado — lamenta Antoniela.
O capitão da PM, Vanilo Vignola, alerta aos proprietários que fazem este tipo de contratação quanto a uma série de cuidados que devem ser adotados, como disponibilizar condições básicas de saúde, garantias trabalhistas e contratuais. Além, claro, de não adotar posturas que, conforme as leis brasileiras, configuram crimes.
Polícia Federal investigará o caso
O delegado Fernando Padilha Figueiredo colheu o depoimento dos empregados, mas o material não ficará em Ituporanga, já que investigações sobre trabalho análogo ao escravo é competência da Polícia Federal.
O inquérito será encaminhado à instituição nos próximos dias, explica Figueiredo, para apurar a responsabilidade do negociante (atravessador) e do contratante. Se condenados, os que submetem outros ao trabalho análogo à escravidão podem ser penalizados com dois a oito anos de reclusão e multa.
Fonte:nsctotal
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