Moeses Fiamoncini é um brasileiro que sonha alto. Desde criança ele tinha o desejo de explorar o mundo, subir montanhas e viver aventuras na natureza. Por muito tempo, esse sonho ficou adormecido, até que em 2018 ele teve coragem para conquistar a sua primeira montanha acima de 8.000 metros de altitude. Depois de passar 10 anos viajando o mundo, escalando e vivendo as mais diferentes experiências, ele resolveu se aventurar no Manaslu, a oitava maior montanha do mundo.
Conquistar o cume de uma alta montanha foi a realização de um sonho de criança, mas também foi o despertar para um projeto ainda maior: escalar as 14 montanhas acima de 8.000 metros de altitude no Himalaia, que conta com picos como Everest, Lhotse e K2, que estão entre os mais difíceis do mundo. No último mês, Moeses deu início à concretização deste sonho, quando embarcou para o Everest, em uma expedição que visava suas montanhas num mesmo ataque: Everest e Lhotse. A missão foi concluída com sucesso, mesmo que o paranaense não tenha conseguido alcançar os dois cumes.
Ele voltou recentemente dessa expedição, já se prepara para a próxima e tirou um tempo para nos contar como foi escalar o Everest e quais serão os seus desafios ainda nesta temporada. Confira abaixo a entrevista na íntegra:
The North Face Brasil: Moeses, você acabou de voltar de uma das escaladas mais importantes da sua vida: chegar ao cume do Everest. O que você sentiu ao conquistar o topo do mundo?
Moeses Fiamoncini: O que eu senti realmente foi muito frio. Porque quando estávamos chegando no Hillary Steps, o tempo ainda estava muito bonito, com céu azul e via-se todas as montanhas lá embaixo. Mas, uma hora depois, quando chegamos ao cume, o tempo fechou, nublou tudo. Mal se via a mais de 15 ou 20 metros. Então, o que eu realmente senti foi muito frio e, com certeza, um sentimento de muita realização. Porque, afinal de contas, eu consegui realizar um dos maiores sonhos que eu tinha. Então, foi um sentimento realmente de profunda realização e gratidão, acima de tudo.
The North Face Brasil: Na sua expedição você não apenas estava visualizada o cume do Everest, mas incluía também a escalada ao vizinho Lhotse. Por que vocês decidiram fazer as duas montanhas de uma só vez?
Moeses Fiamoncini: As duas montanhas usam o mesmo Campo Base, então, acaba facilitando muito a questão de logística. O que nós fizemos: nós pagamos todo o Base Camp Service para escalar o Everest e pagamos à parte apenas a permissão para o Lhotse. Acaba saindo muito mais em conta. É um pouco mais difícil, com certeza, fazer duas 8.000+ em mais ou menos uma semana. Mas, a questão é que é muito mais fácil e econômico tentar as duas montanhas ao mesmo tempo, visto que eu, Sergi Mingote e o Juan Pablo Muhr todos temos o projeto de fazer as 14 montanhas 8.000+, então, era uma grande oportunidade fazer duas usando apenas uma expedição.
The North Face Brasil: Você acabou tendo que desistir do cume do Lhotse mesmo já estando bem perto, devido às condições do clima. Você pretende voltar lá para fazer essa rota novamente?
Moeses Fiamoncini: Sim, com certeza. Provavelmente no ano que vem, dando continuidade ao projetoHimalaia’s 8.000.
The North Face Brasil: Normalmente os alpinistas que vão para o Everest contam com o apoio de uma agência por trás, sherpas que ajudam a carregar os suprimentos etc. Vocês decidiram fazer a expedição de forma autônoma? Por que?
Moeses Fiamoncini: Isto é uma questão do estilo que nós estávamos tentando escalar. Nós estávamos tentando escalar de uma forma mais alpina, onde não utilizamos sherpas e nem oxigênio. Esse é o estilo do Juan Pablo Murh e do Sergi Mingote também, ele sempre escala as montanhas sem oxigênio e sem sherpas. Então, eu acabei me integrando a essa equipe e fizemos a tentativa do Lhotse sem oxigênio e sem sherpa. O Sergi Mingote acabou desistindo do Everest (ele só fez o cume do Lhotse) por questões de saúde, acabou pegando uma infecção na garganta e teve que desistir. O Juan Pablo Murh fez o cume do Lhotse e depois acabou fazendo o cume do Everest comigo sem oxigênio.
The North Face Brasil: Este foi apenas o primeiro desafio de um projeto pessoal muito maior. Você pretende fazer todos as montanhas 8.000+ nos próximos meses. Como surgiu essa ideia? Em quanto tempo você pretende fazer todas elas?
Moeses Fiamoncini: Esse processo vem desde quando eu comecei a fazer montanha. Sempre acabei fazendo montanhas de 4, 5 e 6 mil metros e a tendência é sempre querer fazer coisas mais altas e mais difíceis. O ano passado eu consegui realizar um grande sonho de escalar o Manaslu, foi a minha primeira 8 mil e lá deu para sentir que realmente eu ia acabar fazendo mais “8 mil”. Já há muitos anos eu sonho com o Cho Oyu (8.201m), sempre foi a montanha que eu pensei em fazer. Montanhas como o Nanga Parbat (8.125m), que você vê no filme “7 anos no Tibet”. Então, sempre tive esse desejo de escalar montanhas de 8 mil, como o K2 também e agora estou aqui, dentro do meu sonho. Daqui a alguns dias estou indo para o campo base do K2 e vou tentar escalar lá. É mais um grande sonho sendo concretizado.
Isso [tempo para escalar todas as 14 montanhas] vai depender muito de patrocínio. Porque as expedições realmente são muito caras e eu acabei escalando só duas por enquanto. Estou indo para a terceira, mas ainda faltam 11 expedições. Isso é uma grande quantidade de verba que eu preciso para concretizar esse grande desafio. Mas, eu tenho muita fé de que vou conseguir patrocínio e espero terminar todas até mais ou menos maio de 2021.
The North Face Brasil: Os seus companheiros de Everest seguirão com você em todas as montanhas?
Moeses Fiamoncini: Os meus companheiros do Everest, Sergi Mingote e o Juan Pablo Murh, neste momento estão indo para o Paquistão. Mas, eles vão tentar o G1 e o G2. E eu estou indo para o K2. Então, dessa vez eu não estarei com eles.
The North Face Brasil: Ainda falando de Everest, quais foram as maiores dificuldades que você encontrou por lá?
Moeses Fiamoncini: A maior dificuldade que eu encontrei ao escalar o Everest com certeza foi o perigo do Khumbu Ice Fall, porque ali nós estamos muito vulneráveis. Você nuca sabe quando que uma torre de gelo vai cair na sua cabeça. Então, é uma parte bem perigosa do trajeto. Outra dificuldade também foi tirar a barraca de um campo e colocar no seguinte. Devido ao frio, as mãos congelam e essa transferência de barraca não é muito fácil. Outra dificuldade que eu enfrentei também foi a descida do cume, porque nós descemos em condições extremas, no meio de uma nevasca muito forte, que cobriu todas as cordas fixas e realmente dificultou muito a nossa descida. Levamos quase 7h para descer do cume do Everest até o campo 4.
The North Face Brasil: Antes do Everest a sua única experiência em uma montanha de mais de 6.000 metros de altitude havia sido no Manaslu. Você acha que isso fez diferença na sua performance?
Moeses Fiamoncini: Sim, fez muita diferença eu já ter experiência em uma montanha de 8 mil como o Manaslu, que eu fiz no ano passado. Eu acho que isso deveria ser obrigatório, todos que fazem o Everest terem uma montanha de 8 mil antes, até mesmo para se auto conhecer na altitude. Porque a maior parte dos problemas que eu vi no Everest, quanto a congelamentos e morte foram com pessoas que não tinham muita experiência na montanha.
The North Face Brasil: Qual foi a sua maior surpresa na montanha?
Moeses Fiamoncini: A minha maior surpresa na montanha foi a minha performance sem oxigênio acima dos 8 mil metros, que foi essa tentativa do Lhotse, quando eu cheguei a um pouco mais de 8.300, muito perto do cume, tomando decisões conscientes e estando bem fisicamente, dentro da zona da morte. Para mim, realmente, foi uma grande surpresa. Porque foi a primeira vez que eu estive acima dos 8 mil metros de altitude sem o uso de oxigênio.
Outra grande surpresa foi que quando nós subimos para fazer o ataque ao cume [do Lhotse], nós não descemos mais para o Campo Base. Então, nós passamos 12 noites, acima de 6.500m. Isso para mim foi a maior surpresa, passar tanto tempo assim acima de 6.500m estando bem. Não tive dor de cabeça ou um extremo cansaço. Eu acho que realmente isso foi muito bom para me auto conhecer e saber o meu potencial.
The North Face Brasil: Apesar de planejar fazer o cume sem o uso de oxigênio, você acabou tendo que usar o recurso quando já estava bem próximo do final. Como foi essa decisão? Existia algum risco real de exaustão?
Moeses Fiamoncini: O projeto era fazer o Lhotse e o Everest sem o uso de oxigênio e sem sherpas. Como eu acabei não chegando ao cume do Lhotse, eu comecei a pensar duas vezes antes de colocar o cume do Everest em risco. Foi aí que eu acabei decidindo contratar um sherpa e levar oxigênio de emergência. Quando nós partimos do Campo 4 rumo ao cume do Everest, eu carreguei uma garrafa de oxigênio comigo e o sherpa carregou uma outra. Já estava muito perto do Balcony, a 8.300 e estava ventando muito, começou a nevar muito forte e eu sempre pensei que eu não poderia chegar perto de um risco de exaustão para começar a usar o oxigênio. Se eu já estivesse exausto e começasse a usar o oxigênio não seria uma boa decisão. Porque, na verdade, se a pessoa já está com exaustão, eu acho que deveria descer e não continuar. Então, antes de eu começar a me sentir cansado, para não colocar o cume em risco, eu decidi usar oxigênio. Eu acho que foi uma boa decisão.
The North Face Brasil: As filas e os congestionamentos no Everest deram muito o que falar nesse ano. Qual é a sua percepção do assunto?
Moeses Fiamoncini: Eu acho que a mídia esse ano fez aparecer como um assunto novo e uma coisa inédita no Everest, mas todos nós sabemos que isso já vem acontecendo há muitos anos, esse tráfego gigantesco no Everest, todos os anos batendo recordes e mais recordes no cume. Eu acho que isso não vai parar, a tendência é aumentar. E todas essas questões que a mídia colocou das mortes pelo congestionamento e tudo, eu acho que não é verdade. Para mim, o que realmente mata no Everest é a falta de experiência e pessoas que não estão capacitadas a um desafio com situações extremas. Muita gente que eu conheci não estava preparada e depois acabam sofrendo as consequências em situações extremas e culpam as filas, culpam outras coisas. Mas, realmente, é a falta de experiência que mata no Everest.
The North Face Brasil: Como ficou a sua condição física pós-Everest?
Moeses Fiamoncini: Apesar de ter perdido 7kg, eu acho que eu estava bem fisicamente. Porque tudo o que nós enfrentamos no dia do cume, descer em condições extremas, dormir no campo 4, descer do campo 4 para o 2 e depois para o Campo Base e só dois dias depois chegar a Lukla, são dias longos de caminhadas e nós caminhamos tranquilamente. Então, eu acho que eu estava bem fisicamente, mesmo depois de ter tentado o Lhotse e o Everest e ter passado 12 noites acima de 6.500m. No total foram 14 noites do campo 2 para cima. São realmente muitos dias em alta altitude.
The North Face Brasil: O que você tem feito para se recuperar? Quanto tempo você tem até começar a expedição K2?
Moeses Fiamoncini: Eu cheguei em Khatmandu no dia 28 de maio e eu acho que vai dar um total de mais de duas semanas aqui, me recuperando. Eu tenho me alimentado bem, dormido bem e feito algumas massagens, que ajudam bastante. Tenho tentado não fazer muito exercício físico. Faço algumas caminhadas, mas a maior parte do tempo é mesmo repousando.
The North Face Brasil: Como será o roteiro dessa montanha?
Moeses Fiamoncini: O total são 52 dias. Começa no dia 15 de junho e termina no dia 5 de agosto. Nós pretendemos fazer cume entre o dia 20 e 30 de julho. Mais uma vez eu estou indo apenas com o serviço de Campo Base. Isso significa que todos os campos altos serei eu que vou fixar e carregar todas as minhas coisas.
The North Face Brasil: O K2 é considerado uma das montanhas mais técnicas e difíceis do mundo. Você tem algum preparo especial para ela? Qual deve ser a sua estratégia?
Moeses Fiamoncini: Eu acho que a parte mais importante é um bom condicionamento físico e um bom preparo psicológico também. Isso nós acabamos adquirindo com experiência em montanha. Quanto à parte técnica, eu acho que isso é o básico. É quase que impossível ir para uma montanha dessas sem ter conhecimento em escalada mista, rocha e gelo. Eu acho que isso é fundamental em uma montanha como essa. Essa é a grande diferença entre o Everest e o K2. O Everest pode ser considerado bem mais fácil que o K2 justamente por não ter essas partes difíceis e técnicas de escalada em rocha e gelo que o K2 tem.
Minha estratégia para o K2 é provavelmente fazer uma tentativa de ataque ao cume junto com o pessoal que fixa as cordas antes de os clientes fazerem uma tentativa de cume. A minha estratégia, realmente, vai ser escalar junto com eles.
The North Face Brasil: Qual você espera ser o maior desafio do K2?
Moeses Fiamoncini: O maior desafio que nós teremos no K2 será o clima. Isso, com certeza, fará toda a diferença, entre fazer cume ou não fazer cume. Também tem algumas partes técnicas pelo caminho, como o Chamine House e o Black Pyramid, que são partes técnicas, mas isso não me preocupa muito, apesar da toda a dificuldade técnica. Então, o maior desafio seria o clima. O dia de cume também é sempre um grande desafio. O processo de aclimatação também será desafiador. Pelas dificuldades técnicas, eu não sei se farei duas rotações de aclimatação. Provavelmente eu faça uma só e espere pelo dia de cume.
The North Face Brasil: O que vem depois dele? Qual será o 3º desafio e quando ele deve acontecer?
Moeses Fiamoncini: No momento a minha cabeça está focada 100% no K2 e ainda vamos ver como as coisas vão suceder. Mas, talvez em setembro, nós estamos organizando junto com Juan Pablo Murh e Sergi Mingote, uma expedição ao Nanga Parbat
Fonte: The North Face
Fotos: Moeses Fiamoncini
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